Trujillo Viagens

Autointitulada Cidade da Eterna Primavera, Trujillo é o ponto de partida para uma serena viagem de volta ao passado. Precisamente para o período compreendido entre os anos 100 e 800, que marca a era mochica. Apesar de ter deixado um notável legado à humanidade, e de haver existido durante mais tempo do que a nação inca – que durou cerca de 200 anos –, somente a partir da década de 80 do século passado os moches começaram a atrair o interesse do governo peruano, assim como de pesquisadores e visitantes de todas as partes do mundo. O reconhecimento tardio aconteceu após as escavações que trouxeram à tona inúmeros sítios arqueológicos, muitos deles ainda inexplorados, e riquezas deixadas pela civilização desaparecida.

Localizada na costa norte do Peru, banhada pelo Oceano Pacífico e distante 560 quilômetros de Lima, Trujillo é uma pacata cidadela de 800 mil habitantes. A calmaria de espírito, que costuma ser associada ao clima temperado – ao longo do ano, a temperatura permanece entre 15ºC e 22ºC –, parece só não tranquilizar os taxistas, “buzinadores” crônicos que circulam pelas ruelas repletas de casas de arquitetura colonial.

Até poucos anos atrás, a região se destacava pela produção de aspargos, cana-de-açúcar e arroz, mas atualmente é a vez do turismo comandar as finanças, tanto de empresas estatais e particulares como de grupos mais simples, como a família do garoto José Carlos García, que encontrou no conhecimento que detém da cultura moche uma importante fonte de renda. Além de trabalhar com cerâmica, uma das mais importantes características da antiga civilização, os García costumam se apresentar em festas folclóricas que ocorrem praticamente o ano inteiro nos arredores de Trujillo, resgatando a cultura de seus antepassados.

Antes mesmo de atravessar as fronteiras da cidade rumo aos sítios arqueológicos, é possível fazer um tranquilo passeio pelos pontos turísticos de Trujillo. Circular na Plaza de Armas, praça central próxima à casa onde viveu Simón Bolivar, um dos personagens fundamentais na luta pela independência da América do Sul. Visitar o Museu de Arqueologia, que abriga muitas das relíquias moches, como vasos funerários, máscaras e joias cunhadas a ouro. Degustar delícias gastronômicas que ainda hoje conservam as receitas praticamente iguais às dos antigos povos, como o ceviche – prato tradicionalíssimo, é preparado com peixe cru marinado no suco de limão e que fica perfeito quando acompanhado de uma boa dose de chicha morada (bebida típica à base de milho vermelho). Transitar em meio às barracas do mercado principal que vendem de tudo um pouco e até reservam um corredor dedicado à prática xamã, onde é possível adquirir de ervas para regular a pressão arterial a sabonetes afrodisíacos. Ou ainda caminhar pelas areias escuras de Huanchaco e observar o exaustivo trabalho artesanal dos pescadores que arrastam enormes canoas fabricadas com uma resistente fibra cultivada na região. Tais embarcações, os caballitos de totora, não conseguem carregar muitos peixes e isso dificulta a pesca em larga escala, que acaba sendo desenvolvida apenas para abastecer as comunidades próximas. Uma curiosidade: o nome da canoa se origina da forma como o pescador navega, ou melhor, “cavalga” nela.

Logo ao sair de Trujillo, atravessando estradas desérticas, há outros importantes sinais da civilização perdida: as imponentes Huacas del Sol e de la Luna. Estruturas funerárias ainda em processo de escavação, esses templos serviam para o sepultamento de nobres membros da sociedade moche, que acreditava na continuação da vida após a morte. Para que não ficassem sozinhos nesse novo período, o antigo povo costumava enterrar, junto ao nobre, mulheres, filhos, guerreiros, criados, animais de estimação, tesouros e até alimentos, que garantiriam uma farta e sossegada vida futura. Uma característica marcante dos moches, e que permitiu a boa conservação dos seus espólios, é o fato de, nas huacas, as tumbas de cada dinastia terem sido cobertas pelas da dinastia seguinte. Assim, ao construir por cima dos túmulos, os moches demonstravam respeito pelo passado, crendo que ele era o alicerce para o recomeço.

Na Huaca de la Luna, é possível apreciar a maneira moche de se ligar ao sagrado. Ali próximo, aos pés da montanha, eram feitos os sacrifícios para Ai-Apaec, o deus degolador. Os antigos habitantes acreditavam que terremotos e outras calamidades comuns no Peru seriam castigos mandados pelo deus que esperava mortes em sua honra. Não é à toa que nas paredes do templo tenham sido esculpidas dramáticas imagens de rituais de sacrifício. Já a Huaca del Sol continua praticamente intocada, preservada contra a ação dos saqueadores e à espera de habilidosas mãos que revelem seus tão bem guardados segredos.

Cleópatra mochica

Distante 60 quilômetros de Trujillo, outro sítio arqueológico merece uma visita minuciosa é o complexo Huaca El Brujo, no vale de Chicama, que em 2006 revelou outro grande mistério à humanidade: a Senhora de Cao, múmia de uma soberana moche notavelmente conservada, enfeitada de ouro e de pedras preciosas e cercada por murais que retratam em vermelho-sangue prisioneiros nus sendo levados ao sacrifício. Foi apelidada de “Dama das Tatuagens” por causa das serpentes e aranhas desenhadas em seu corpo. Seu encontro derrubou literalmente por terra a teoria de que aquela nação fosse exclusivamente patriarcal. Hoje, a nobre mumificada pode ser admirada no Museu de Cao.

Senhor de Sipán

Mais de 200 quilômetros distante de Trujillo, árido trajeto percorrido de van, há mais uma área repleta de tesouros arqueológicos, Chiclayo, conhecida como a Cidade da Amizade. Mas, não se engane, pois o título não traduz o nome do povoado, apesar da amistosidade que reina ali. O real significado de Chilayo é “lugar onde há ramos verdes”.

Apesar de toda rusticidade presente em suas ruelas, o povoado de quase 600 mil habitantes conta com uma considerável infraestrutura e opções de diversão ecléticas, como cassinos abertos 24 horas, montanhas que são redutos de ecoturistas e belas praias frequentadas por surfistas do mundo todo.

O grande destaque de Chiclayo, porém, é o conjunto de 26 pirâmides construídas de adobe. Em uma delas, a Huaca Rajada, no ano de 1986, os arqueólogos descobriram os restos do Senhor de Sipán, mais importante governante da civilização mochica. Junto com o soberano também foram sepultados a esposa, a amante, o filho, um cão, um guardião, cujos pés teriam sido cortados para que não tentasse fugir, e tesouros – colares, pulseiras e outros objetos de ouro maciço e pedrarias que ajudam a entender um pouco dos costumes dessa nação. As narigueiras douradas, por exemplo, serviam para esconder as expressões daquele que as usava. Afinal, não era permitido aos governantes demonstrar seus sentimentos e emoções.

Outras relíquias encontradas na Huaca Rajada, da mesma maneira como ocorreu em outros sítios arqueológicos espalhados pelo norte peruano, são os artefatos de cerâmica. Vasos, jarros e potes foram fabricados com adobe, o barro regional, em larga escala pelos moches. A produção em massa se comprova com os moldes encontrados durante as escavações. Para melhor preservação dos objetos, bem como do Senhor de Sipán, tudo foi transferido para o Museo Tumbas Reales de Sipán. Em tempo: atualmente, cada museu é obrigado a ter pelo menos um espécime (vivo, é claro!) do cão pelado peruano, raça que esteve bastante próxima da extinção.

A poucos minutos de Chiclayo, outro sítio arqueológico surge majestoso. É Chan Chan, cujas pirâmides de barro parecem verdadeiros morros se erguendo da areia e são as mais antigas de região. Em suas paredes, símbolos como pelicanos, peixes, redes e ondas fazem menção à principal fonte de alimento na época, o mar. Construída pelos chimus, povo surgido após o declínio dos moches e que perdurou por 600 anos, até a ascensão dos incas, a cidadela foi declarada, em 1986, Patrimônio Cultural da Humanidade – até então o local costumava ser usado como pista de motocross. Diferentemente dos moches, os chimus não tentaram preservar o legado de seus antepassados. Ao contrário, preferiram destruir tudo e construir uma nova cidade por cima. Enfim, os peruanos habitam o norte do país há mais de 4 mil anos e as descobertas sobre o passado ainda podem revelar surpresas.

PERU: PARA CHEGAR LÁ

No norte do país, civilizações pré-incas deixaram uma história repleta de rituais. Fartura de ouro e sacrifícios a um deus degolador revelam que, há milhares de anos, a magia reinava naquela na região.

ESSENCIAIS

Como chegar

As empresas TAM, Taca e Lan operam voos diários para Lima partindo das principais capitais brasileiras (tarifas entre US$ 636 e US$ 1.224. Para fazer o trajeto entre Lima e Trujillo, opte por um voo direto da Taca ou da Lan que sai do Aeroporto Internacional Jorge Chavez (tarifas a partir de US$ 142). Para se aventurar pela rota Moche e conhecer os sítios arqueológicos da região de Trujillo e Chiclayo, cheque com uma agência local a possibilidade de ir de van – o trecho entre as cidades tem mais de 200 quilômetros.

Quando ir

O clima do Peru não muda muito durante o ano. As chuvas são raras e a temperatura varia entre 15 ºC e 22 ºC. O finzinho de setembro é uma boa época para visitar Trujillo, quando acontece o Festival Internacional da Primavera – desde 1950, o evento homenageia a herança cultural mista da região. As celebrações incluem desfiles de carros alegóricos e apresentações de danças típicas, como a marinera, dançada ao som da música criolla.

Para saber mais

Confira outras informações sobre Lima, Trujillo e Chiclayo no guia Peru, da Lonely Planet, e visite a página da Peru Travel na internet.

NOVE DICAS PARA DESBRAVAR O PAÍS VIZINHO

1. O Ochocalo Restaurant y Espetáculo, em Chiclayo, oferece um menu apetitoso de cozinha tradicional lambayecana. Não deixe de provar os saborosos ceviches. Nos fins de semana, a casa exibe belas apresentações de música regional.

2. Em Trujillo, o Hotel Libertador funciona em uma casa de estilo colonial, na praça principal do centro histórico e pertinho da casa de Simón Bolivar, icônico personagem local. Os serviços quatro estrelas incluem restaurante, bar, sala de ginástica, piscina, sauna e hidromassagem (diárias a partir de US$ 150).

3. A poucos passos da Plaza de Armas, em Chiclayo, o Hotel Costa del Sol conta com cômodos amplos e confortáveis e um cassino exclusivo. Aproveite para degustar um prato típico no restaurante Páprika e provar os drinques do bar Shams (diárias a partir de US$ 90).

4. Em Lima, o Café del Museo tem projeto assinado pelo arquiteto peruano Jordi Puig. Situado no jardim do Museo Larco, com vista privilegiada de uma pirâmide pré-colombiana, oferece um cardápio requintado, com sabores da gastronomia local. Experimente pisco sour, bebida típica peruana.

5. Na cidade de Trujillo, o Fiesta Gourmet é perfeito para os fãs de petiscos. Em um simpático sobradinho, o bar serve licores nacionais e um bom mix de receitas peruanas. Deguste as apetitosas bombitas de yuca, bolinhas de queijo feitas com massa de mandioca.

6. O Casa Andina, em Lima, é o hotel de quem não abre mão de conforto. Com quartos amplos e bem decorados, fica no agitado bairro de Miraflores, cercado de lojas de artesanato e restaurantes (diárias a partir de US$ 200).

7. Por causa do clima quente e seco do país, a desidratação pode estragar a programação até mesmo de viajantes mais experientes. Lembre-se de levar sempre uma garrafinha com você e de ingerir água de tempos em tempos. São recomendados pelo menos dois litros por dia.

8. A culinária peruana é bem temperada e picante. Portanto, se você não gosta do pimenta, peça sempre que o seu prato seja preparado à parte, de antemão.

9. Evite trocar dinheiro fora das casas de câmbio para não ser vítima de golpes – como receber dinheiro falso, por exemplo – e de furtos. Seja cuidadoso quando estiver em lugares visados, como terminais rodoviários, ou ao andar pelas agitadas ruas dos centros comerciais e turísticos.