Nem feliz, nem triste: Belgrado, capital da Sérvia, escolheu ser nostálgica

Sérvia, Bósnia e Croácia não são apenas rivais. Eles se odeiam. Antes um país rico e diverso, a extinta Iugoslávia era famosa pela tolerância, alegria, litoral exuberante e história de diversidade.

Macedônia e Eslovênia, também ex-integrantes da Federação Iugoslava, não tinham relações tão conturbadas com nenhum desses povos mas, cansadas da falta de protagonismo e sem ter nada a ver com a briga, foram os primeiros a cair fora. Tornaram-se independentes em 1991, assim como vários países do leste europeu.

Sem nunca ter se dado bem com Belgrado (capital da ex-Iugoslávia e, hoje, da Sérvia), a Croácia seguiu pelo mesmo caminho, levando com ela quase toda a costa do Mar Adriático. Deixaram apenas um restinho para o que é, hoje, Montenegro.

A grande maioria muçulmana da Bósnia queria aproveitar a onda da rebeldia mas, como a Sérvia sempre viveu de poder e força política, não queria perder seu último “anexo” de peso. Seguiu-se aí uma guerra intensa e desmedida, onde o número de mortes de civis superou o de militares e, todos os absurdos já vistos em guerras anteriores, foram repetidos, como campos de concentração e testes em cobaias.

A Iugoslávia, que era mais ou menos um conglomerado de países comandados pela Sérvia e sempre dependeu da influência que exercia sobre eles, estava oficialmente acabada.

Em Belgrado, aliás, essa tristeza ainda é muito presente. Enquanto Eslovênia e Croácia despontaram para o turismo e a Bósnia tem sua opção religiosa respeitada, os sérvios vivem a nostalgia. Não cansam de relembrar os tempos do General Tito, líder miliatr que governou dos anos 50 aos 80 e, apesar de ditador, virou ídolo nacional e uniu o país ao conseguir desligar a Iugoslávia da forte conexão que esta sempre teve com a União Soviética.

Nas 5 ou 6 horas que estive por lá, apenas esperando minha conexão para Montenegro, senti muito o peso da tristeza de um domingo e, na mesma medida, a alegria de um local por se deparar com um estrangeiro. Seja para dar uma informação, mesmo quej a língua seja uma barreira evidente, ou para indicar qual sabor de burek ( massa folhada e frita, normalmente recheada com carne moída ou queijo coalho) você deve escolher. Não é nenhum esforço experimentar todas e, muito menos, repetir.

Não deu tempo de decorar nome de bairro ou localização nenhuma, a não ser a rua Skadarlija (leia Scadárlia) – toda para pedestres e com chão de pedra, margeada por tendas decoradas com grafitti que, mesmo sem seus artesãos alternativos, conseguem se expressar. Foi tempo suficiente, também, para ir à uma kafana, como eles chamam os restaurantes tradicionais, onde eles tem carne de porco, cerveja e música típica como únicas razões para você visitar, então não precisa nem de cardápio.

Ainda fui à fortaleza onde a cidade começou e passei alguns minutos apreciando a vista para o rio Danúbio, o mesmo que passa por Vienna, na Áustria e Budapeste, na Hungria. Como tive que partir antes de anoitecer, ficou faltando saber como são as tão faladas festas da cidade nova, onde tudo que eu pude ver, no caminho para o aeroporto, foram os prédios bombardeados pela OTAN, já mais recentemente (1999), durante o conflito Sérvia/Kosovo (Kosovo também luta por sua independência).

Belgrado não é amor a primeira vista, mas tem muito carisma. É um negócio meio Buenos Aires – se a cidade fosse fora da Europa, talvez o impacto da arquitetura clássica remanescente fosse maior. Apesar do crescente empobrecimento da população e a monotonia do final do fim de semana, tudo que não faltou foi calor na receptividade. Todos ficam felizes por, diante de um estrangeiro, terem a chance de mostrar a Sérvia.

O orgulho nacionalista, mais assumido pela população que pelo próprio governo, parece aquela primeira camada de uma pessoa orgulhosa e de auto-estima ferida que, no fundo, ainda chora as perdas.