Nem conflito interminável, nem amor correspondido
Analisar 152 anos de história de um país não é uma tarefa simples, o que dirá de dois? Ainda mais sendo as duas Brasil e Argentina, que protagonizam uma relação que alterna parcerias e rivalidades em praticamente todos os campos. Foi a essa empreitada que se dedicaram o brasileiro Boris Fausto e o argentino Fernando Devoto, resultando no livro Brasil e Argentina – Um ensaio de história comparada (1850-2002). Advogado de profissão, Boris Fausto diz que começou tarde na História – entrou para o curso em 1962, aos 32 anos. A mudança foi incentivada pela esposa, diante das constantes lamentações dele por não se sentir realizado no Direito. Formado pela USP, coordenou parte da série História geral da civilização brasileira, uma das principais obras da historiografia nacional e ainda pesquisou temas como a Revolução de 30, as relações trabalhistas no início do século XX e a criminalidade na São Paulo da República Velha. Para falar sobre seu novo livro e sua carreira, Boris Fausto recebeu a equipe de Nossa História em sua casa, em São Paulo.
Nossa História – De onde veio a idéia de fazer um livro de história comparada de Brasil e Argentina?
Boris Fausto – Ela partiu da aproximação de intelectuais brasileiros e argentinos que realizaram uma série de encontros para discutir temas específicos, sobretudo a visão que um país tem do outro. Esse trabalho se desenvolveu bem, mas em torno de coisas localizadas. Então um amigo argentino sugeriu que se fizesse uma história comparada. Eu peguei essa idéia que tinha ficado no ar, conheci o (Fernando) Devoto numa dessas reuniões e decidimos mergulhar na tarefa.
NH – Que dificuldades vocês encontraram na hora de pesquisar e comparar mais de 150 anos de história?
BF – As dificuldades ficaram mais na linha de seleção do que íamos abordar, por que havia muita coisa. Como o livro é pioneiro, acabamos privilegiando o aspecto sociopolítico-econômico e deixando um pouco de lado as questões de ideologias e culturas. Não abandonamos esses assuntos, claro, mas eles entraram nesse contexto. Você pode escrever um bom livro comparativo entre Brasil e Argentina baseado nas marcas culturais de um país e do outro. Isso é perfeitamente possível e necessário. Nós não temos, e isso está no prefácio, a pretensão até ridícula de esgotar o estudo comparativo.
NH – O que pesam mais na relação entre Brasil e Argentina, as semelhanças ou as diferenças?
BF – Eu não teria uma resposta quantitativa. Diria que há muitas semelhanças a partir de um mesmo contexto histórico tomado em linhas gerais, e, ao mesmo tempo, há muitas diferenças. Posso dizer que essa não é uma história de intermináveis conflitos – o conflito aberto cessou no século XIX -, mas também não é uma história de amores correspondidos.
NH – Os diferentes processos de colonização e independência nos dois países têm ainda efeitos sobre suas sociedades?
BF – No decorrer do século XIX há uma diferença bastante acentuada. A própria idéia de formação de nação é diversa. O Brasil, bem ou mal, se forma como nação com o Império, enquanto a Argentina passa por períodos muito conturbados até chegar a uma nação. Talvez o que tenha ficado de mais importante dessas diferenças do século XIX tenha sido no plano étnico. A escravidão existiu na Argentina, mas nunca foi um traço essencial da sociedade, como aconteceu no Brasil. Nós temos uma questão herdada da escravidão, a igualdade étnica, mal resolvida ou não resolvida. Eles têm outros problemas, mas essa não é uma questão decisiva na Argentina.