Itália desconhecida

Itália desconhecida
Vá além da trilha do turismo e comece a explorar a verdadeira Itália, que vai das colinas que abrigam os melhores vinhos do país a um litoral que rivaliza com Amalfi

Cidade de La Morra fica no alto de colina com trilhas para florestas e vinhedos de Barolo
Cidade de La Morra fica no alto de colina com trilhas para florestas e vinhedos de Barolo
Como a Toscana? Experimente o Vale do Langhe
Situadas no alto de colinas, as vilas do Vale do Langhe, no norte da Itália, têm um clima sonolento, como se houvessem acabado de terminar um almoço esplêndido. É em lugares como La Morra que você pode reduzir o ritmo até quase parar, provando os vinhos da região, corando-se ao sol, mirando a paisagem. As colinas onduladas parecem ter sido costuradas umas às outras, e cada encosta é listrada de vinhedos. A real dimensão só é perceptível quando se vê um carro ao longe, chacoalhando por uma estrada estreita. Os ângulos dos campos se combinam com os telhados vermelhos das vilas, cada uma delas dominada por um castelo que se assemelha a uma peça de xadrez gigante. Em Barbaresco, cidade de apenas uma rua, com casas da cor de amêndoas açucaradas, uma igreja deixou de ser lugar sagrado e é hoje uma enoteca, com degustações no altar.

Silvia Altare é tão brilhante quanto a garrafa complexa do Barolo de sua família, um vinho que reluz como uma pedra preciosa quando capta a luz. Foi seu pai, Elio Altare, quem revolucionou a produção, e agora os Altare fazem o Barolo mais ilustre da região. “Estamos aqui há gerações. As uvas estão em nossa família desde os anos 1800, embora o primeiro rótulo seja de 1950. Temos apenas dez hectares e produzimos 60 mil garrafas por ano. É um pequeno negócio familiar. Isso aqui é diferente da Toscana. Em Piemonte, não há princesa, apenas agricultores.” O Barolo é conhecido na Itália como o rei dos vinhos, enquanto o Barbaresco, aqui perto, é a rainha. Ambos vêm da mesma uva. “A nebbiolo é uma vinha muito floral, geralmente com pétalas de rosa, frutas vermelhas, cerejas…” O nome vem de nebbia (nuvem) e, segundo a história, deve-se ao fato de que as uvas costumavam ser colhidas em meio à névoa do outono.

O Vale do Langhe parece destinado à satisfação. Foi também na região que cresceu o movimento slow food (conceito de alimentação saudável, em oposição ao fast food), na vizinha Bra, onde as lojas administradas por famílias ficam cheias de produtos locais sazonais. Trata-se de um dos lugares da região mais obcecados por comida, juntamente com Alba, cujo mercado atrai pessoas exigentes todo sábado. “Isso [a slow food] nasceu entre amigos que diziam ‘Ah, temos de comer bem e beber bem’”, explica Silvia. Hoje, a organização ecogastronômica tem mais de dez mil membros em 132 países. “Aqui é fácil comer vegetais da horta e ter um vinho bom”, acrescenta Silvia. “Na verdade, temos slow food e slow life todo dia.”

PARA CHEGAR LÁ

MAIS INFORMAÇÕES
• Langue.net

COMO CHEGAR

• O aeroporto mais próximo é o de Turim. Alitalia, Lufthansa e Ibéria têm voos saindo de São Paulo. Langhe fica a aproximadamente uma hora de carro – alugue um automóvel com antecedência, por preços a partir de € 140 por semana.

ONDE FICAR

• A imaculada Villa Carita tem quatro suítes, todas com vista para as colinas onduladas. Duas delas abrem diretamente para os vinhedos, e o terraço em frente à casa é ideal para beber uma taça de vinho quando o sol se põe e as luzes se acendem na colina vizinha, onde fica a cidade de La Morra (quartos duplos a partir de € 100).

ONDE COMER

• O La Piola, na praça principal de Alba, uma das capitais gastronômicas do Langhe, é um restaurante com pratos piemonteses tradicionais. Experimente o agnalotti (um ravióli) recheado de carne de porco, vitela e coelho (a partir de € 10). No andar de cima fica o Piazza Duomo, que serve pratos mais internacionais.
Matt Munro
Capital de Gargano, Visete estende-se por penhascos junto ao mar
Capital de Gargano, Visete estende-se por penhascos junto ao mar
Como a Costa Amalfitana? Experimente o promontório de Gargano
De frente para o mar, Gargano é a espora da bota italiana, e já foi uma ilha. O conhecimento disso leva a entender o lugar. Parece uma região à parte, com uma saia de oceano tão azul que faz você piscar. A terra é uma mistura tumultuada: penhascos junto ao mar; vegetação baixa, verde escura e densa; orquídeas,  florestas de pinheiros e praias prateadas. Trata-se de um parque nacional protegido. O tipo do lugar onde você receberá a visita inquisitiva de um rebanho de cabras se fizer um piquenique no alto de um penhasco.

Vieste e Peschici são as principais cidades litorâneas, repletas de ruas estreitas e casas de calcário pesado, frescas mesmo no calor. As construções parecem brotar dos penhascos junto ao mar, com vistas para o azul intenso em todas as direções. No verão, parece que todo mundo na Itália vai para lá, mas junho e setembro são os melhores meses de Gargano. É quando as multidões já se foram mas nem tudo está fechado.

Antes do turismo, a pesca dominava Gargano. Giovanni Dimaso tem 70 anos e pesca desde os 10. “Toda a minha família era de pescadores. Pescávamos para vender e para comer. Quando não podíamos fugir do mar bravo, nos refugiávamos numa caverna e passávamos a noite tremendo. A vida era difícil para meu pai e meu avô.”

Hoje em dia, a pesca é interrompida no auge do verão, para o estoque ficar cheio novamente. Nessa época, Giovanni leva turistas para passear de barco. Ele fala com entusiasmo dos lugares onde o trabalho o conduz, apontando para além de seu barco de madeira: “A costa ao sul de Vieste, com sua arquitetura natural e as cores das cavernas marinhas. Depois, o mais belo sítio arqueológico, La Salata [cemitérios paleocristãos], cheio de vegetação mediterrânea.”

Os trabucchi, curiosas construções que lembram camas de gato, pontuam o litoral de Gargano. São antigos instrumentos de pesca ainda em uso. Alguns têm mais de cem anos. O termo trabucco vem de uma palavra que significa “truque”. Quando os peixes migram, nadam para baías onde a corrente é menos forte e a água é rasa demais para predadores. O truque dos pescadores é pôr a rede nestas águas rasas, inclinando-a para a direita ou a esquerda, de acordo com a direção da migração. E o que Giovanni gosta de comer depois da pescaria? “Eu recomendo uma sopa de peixe chamada ciambotto, com espaguete.”

PARA CHEGAR LÁ

MAIS INFORMAÇÕES
• Parco Nazionale del Gargano

COMO CHEGAR

• O aeroporto mais próximo é o de Bari, 185 quilômetros ao sul de Vieste. A Alitalia tem voos saindo de São Paulo (a partir de US$ 1.200). Alugue um carro no aeroporto (em torno de € 153).

ONDE FICAR

• A Rocca Sul Mare é uma hospedaria escondida em meio às ruas estreitas da cidade velha de Vieste, com vista para o porto e o azul do mar. O café da manhã inclui frutas compradas no mercado matinal ou colhidas nas árvores do proprietário (a partir de € 50).

ONDE COMER

• No Il Trabucco, em Peschici, você come no que parece ser um antigo galpão de pesca, decorado com redes e com vista para o mar. Prove o orecchiette con scampi – massa em formato de “orelhinhas” com camarão (a partir de € 6).
Matt Munro
Palácios de tijolos vermelhos e torres renascentistas marcam paisagem urbano-medieval de Bolonha
Palácios de tijolos vermelhos e torres renascentistas marcam paisagem urbano-medieval de Bolonha
Como Florença? Experimente Bolonha
Suba os 498 degraus da medieval Torre degli Asinelli e a cidade se abrirá diante de você como um mapa. Tem a cor das folhas do outono: dourada e alaranjada. Massimo Medica, diretor do Musei Civici d’Arte Antica, em Bolonha, explica: “A cor da cidade é terracota; a terra ao redor é rica em barro, do qual são feitos os tijolos.”

Houve um tempo em que a cidade tinha mais de cem torres como esta. Massimo aponta para as 20 que restam. “Na Idade Média, Bolonha era uma cidade importante. Como não havia espaço para um castelo, cada torre pertencia a uma família influente. A altura indicava a extensão do poder da família. Quando uma delas era derrotada, sua torre era cortada.”

De volta ao nível das ruas, 40 quilômetros de portici (caminhos cobertos) correm ao longo das ruas estreitas. A cidade medieval murada tinha um espaço limitado para sua expansão: “Os estudantes que vinham para Bolonha eram ricos e tinham servos. Precisavam de lugares para ficar, então a prefeitura criou mais espaço construindo mais andares”, diz Massimo. As colunatas grandiosas tornam Bolonha a cidade da Itália que mais favorece os pedestres.

Há outras riquezas artísticas e arquitetônicas. A mais bonita é o complexo medieval de igrejas da Basilica di Santo Stefano. São três interiores na penumbra, com cheiro de vela, sendo que o mais antigo foi construído com colunas romanas recicladas. A Pinacoteca Nazionale é repleta de pinturas de Raphael, Giotto, El Greco e Ticiano; e a Basilica di San Domenico, do século 13, contém obras de Michelangelo. Os museus da cidade estão abrigados em um palácio dourado: o Museo Civico Medievale traça a história da cidade através de manuscritos e armamentos decorados, enquanto o Museo Civico Archeologico contém a melhor coleção etrusca da Itália.

Bicicletas circulam pela cidade, lembrando que Bolonha ainda é uma cidade universitária que abriga mais de cem mil estudantes. Há mais jovens estilosos aqui do que em qualquer outro lugar da Itáia. Os bares estão sempre movimentados e na praça central, a Piazza Maggiore, moradores e turistas ficam como se estivessem na praia.

Provavelmente estão pensando em outra conquista de Bolonha: a comida. Além das peças redondas de parmesão e dos presuntos pendurados, esta é a terra da massa com ovos: tiras finas de tagliatelle entremeadas por ragu, tortellini in brodo (massa recheada de carne de porco em uma sopa fina) e o sorvete artesanal da Sorbetteria Castiglione, de 1950.

PARA CHEGAR

MAIS INFORMAÇÕES
• Bologna Welcome

COMO CHEGAR

• Iberia, KLM, Alitalia e Lufthansa partem de São Paulo, todas com conexão, já que não há voo direto do Brasil. O Aeroporto Gugliemo Marconi fica a aproximadamente oito quilômetros de distância da cidade.

ONDE FICAR

• O Convento dei Fiori di Seta é um convento do século 14 transformado em hotel. Fotos gigantes de flores dominam os dez quartos, que têm design moderno, com banheiros azulejados e ducha forte. Fica em uma área tranquila, pertinho da Piazza Maggiore, e tem um bom serviço, além de um pequeno e gracioso café (a partir de € 175).

ONDE COMER

• O Serghei foi aberto em 1967. O tortellini e o tagliatelle são caseiros, feitos toda manhã por mãe e filha, Ida e Diana, enquanto o filho faz as sobremesas, prepara o ragu e recebe os clientes. O tortelinni de espinafre e ricota é lendário e o coniglio arrosto (coelho assado lentamente), inesquecível (pratos a partir de € 9; via Piella 12).
Matt Munro
Monte Sibillini é repleto de vales místicos, vilarejos antigos, flores selvagem e picos íngremes
Monte Sibillini é repleto de vales místicos, vilarejos antigos, flores selvagem e picos íngremes
Como as Dolomitas? Experimente o Monte Sibillini
“Num dia claro, você pode ver a Croácia daqui”, diz Maurizio Fusari, zoólogo e guia de caminhadas no Monte Sibillini, apontando para a vista que se estende até o Adriático. Dividida entre as regiões de Úmbria e Marche, essa cadeia montanhosa combina pastagens no alto de montanhas, penhascos açoitados pelo vento, lagos azuis e picos íngremes. Os sons predominantes são o canto dos pássaros, a brisa e o cachorro latindo. E as colinas selvagens são atraentemente acessíveis. “É possível chegar até mesmo à mais alta delas sem utilizar equipamentos de alpinismo. Estas montanhas são para todos.”

As caminhadas vão desde suaves passeios vespertinos pelos vales montanhosos até trilhas noturnas para assistir ao nascer do sol, ou ainda uma caminhada de nove dias pela trilha Grande Anello (120 quilômetros). No caminho, observe os animais selvagens. Maurizio faz uma lista: “Javali, cabrito montês, lobo, águia-real, falcão peregrino. Ah, e um urso. Ele veio de Abruzzo. Parece que está procurando uma parceira. Matou alguns bezerros e destrói as colmeias. Gosta de mel.”

No ponto onde o parque alcança a divisa com a Úmbria, a paisagem do Monte Sibillini se destaca. Ali, Castelluccio, a cidade mais alta da região, parece uma estranha miragem no belo cenário, constatemente vigiada pelo imponente Monte Vettore (2.476 metros). Flores pontuam o vale em junho: mostardas silvestres, papoulas, centáureas. Mas este é um interior imbuído de mistérios. Santuários e igrejas se espalham por vales remotos. Moradores colhem ervas silvestres para preparar remédios e temperar a comida. Diz a lenda que o Monte Sibilla abrigou certa vez uma bruxa, ou “sibil”, o que teria dado origem ao atual nome Sibillini. São muitos os lugares com nomes ameaçadores, tais como Gole dell’Infernaccio e Passo Cattivo. A região é famosa em toda a Itália por suas lendas, e até mesmo o símbolo do parque é uma montanha com olhos.

PARA CHEGAR

MAIS INFORMAÇÕES
• Parco Nazionale dei Monti Sibillini

COMO CHEGAR

• Os aeroportos de Ancona e Perugia ficam a aproximadamente duas horas de viagem, de carro, enquanto o de Roma fica a três horas. Alitalia, Lufthansa e Iberia voam de São Paulo (a partir de US$ 1.100).

ONDE FICAR

• La Quercia della Memoria é uma antiga casa de fazenda com dois quartos confortáveis, um deles com decoração oriental e o outro, africana. Há uma horta orgânica e a ênfase ali é na alimentação natural e sustentável (a partir de € 130, meia pensão; Contrada Vallato, San Ginesio).

ONDE COMER

• Coma no La Quercia della Memoria. Os queijos e salames locais podem ser seguidos de massa, cordeiro ou porco assado com vegetais orgânicos, acompanhado de vinho caseiro. O restaurante abre de sexta-feira a domingo; faça reserva (pratos a partir de € 6).
Matt Munro
Lago Bracciano é cercado de igrejas barocas, casarões romanos e cisnes
Lago Bracciano é cercado de igrejas barocas, casarões romanos e cisnes
Como os lagos de Garda e Como? Experimente os Lagos do Lazio
Poucos estrangeiros já ouviram falar dos lagos do Lazio, mas essa região nos arredores de Roma abriga crateras vulcânicas cheias de água azul. Ao norte da capital ficam alguns dos mais bonitos, incluindo o lago Bracciano e seu parente Martignano, menor.

Marco Pasquali é romano, mas morou 18 anos no Lazio e tem um restaurante, o Iotto, bem como uma fazenda local que abastece sua mesa. Seu lago favorito é o Martignano, cercado de verde. Os habitantes locais frequentemente passeiam a cavalo pelos caminhos íngremes e poeirentos que levam à sua margem. Ele olha para a água. “É magnífico. Um pequeno oásis no parque. Aqui você pode alugar barcos e cavalgar. Este é o triângulo dourado dos cavalos. Toda família tem um cavalo. É a terra dos butteri (caubóis). Eles costumavam conduzir as vacas para Roma, para serem abatidas.”

Bracciano, o segundo maior lago do Lazio, tem apenas um quarto do tamanho do lago de Como, mas sua margem estende-se por 32 quilômetros, pontuados de cidades medievais. Anguillara Sabazia, um conjunto de construções cor de areia, destaca-se em um pequeno cabo sobre o lago, cercada de arbustos verdejantes. Trevignano acompanha a beira do lago, com um punhado de praças tranquilas. Visto destes lugares, o azul do céu e da água, manchado por barcos distantes, dissolve-se no horizonte. Nadadores pulam de pontões. Isto aqui é um pequeno segredo da Itália, emoldurado por colinas pálidas e sombreadas. Marco observa: “Esta área continua pouco visitada pelos turistas porque tudo está centrado na capital. Quem vem ao Lazio, vai a Roma.”

MAIS INFORMAÇÕES
• Lazio Turismo

COMO CHEGAR

• O aeroporto mais próximo é o Roma Fiumicino, a 29 quilômetros, enquanto o Roma Ciampino fica a 64 quilômetros. As empresas Alitalia, KLM, Lufthansa, Swiss e Iberia têm voos partindo de São Paulo (cerca de US$ 1.200). O aluguel de carro custa € 150 por semana, se reservado com antecedência.

ONDE FICAR

• Il Casale di Martignano é uma hospedaria de agroturismo em uma casa de fazenda antiga à margem do lago Martignano. Os seis quartos são brancos, com vigas de madeira e móveis de madeira e ferro batido. Cada um deles tem seu próprio jardim. Há uma praia privada no lago e você pode passear de canoa ou alugar pedalinhos (a partir de € 80).

ONDE COMER

• Localizada entre os lagos Martignano e Bracciano, a Iotto é uma osteria simples, que prioriza os produtos orgânicos sazonais e serve pratos tradicionais de Roma e do Lazio, preparados pela chef Michela Cruciani. Experimente coda alla vaccinara (rabo de touro) e anguilla alla cacciatora (enguia do lago preparada ao estilo dos caçadores; a partir de € 9).