Foram 99 anos de empréstimo feito pela Terra Mãe China – como os locais gostam de chamar – à Inglaterra. Hong Kong passou por um século de desenvolvimento à parte de um país que, mesmo tendo uma força descomunal como nação, já é completamente desconjuntado. A quase cidade estado recebe hoje o título de Região Administrativa Especial pela China, mas faz parte dela ou não faz? Tem moeda e bandeira próprias e sua autonomia só esbarra nas forças militares, as quais não pode ter por termos contratuais. Creio que, com Hong Kong, ocorre exatamente o oposto do que acontece com o Vaticano: a sede da igreja Católica é tão pequena que sua condição de Estado Autônomo, às vezes, é esnobada; enquanto Honk Kong é indubitavelmetne considerada China desde 1997, mas funciona de forma independente.
À moda antiga, Hong Kong parece ser uma cidade daquelas do tempo em que o conceito de país ainda não existia. Não que não tenha tido influências externas – muito pelo contrário -, mas acabou por ficar tão diferenciada que se deslocou de qualquer passado e presente. É capaz de levar um tempo pra se tocar que está, geograficamente, na China – diferente de outras cidades da China, cidadãos brasileiros precisam não precisam de visto para Hong Kong.
Em alguns momentos, me senti no futuro; em outros, no passado; em alguns outros, em uma terceira categoria de tempo que não deu pra classificar. É muito fustrante não ter palavras pra conseguir descrever a energia de um lugar como você gostaria mas, esse pedaço de Ásia, com influências inglesas e querendo ser a América acabou me causando uma pane cerebral. Um bombardeio de informações, como se não quisessem ser processadas propositalmente.
O futuro começa quando você chega – acho que o sudeste asiático é a terra das boas impressões, caso você vá lá só pra dar uma olhada nos aeroportos já vale a pena. Então, pra ir pra cidade, um trem que faz 30 km em 20 minutos desliza pelas estações sem fazer ruído algum. Obviamente, pague a tarifa do trem (100 dólares de Hong Kong, + ou – 25 reais) com o cartão de transporte público que, pré carregado, vale para todos os trens, ônibus, metrôs e barcos. Não obviamente, use o mesmo cartão para pagar suas contas nos shoppings, restaurantes, lojas de conveniência e, se resolver morar lá, até aluguel e escola das crianças. O Octopus Card, cartão pré-pago que serve pra tudo, inaugura uma tendência que pode até acabar com a necessidade do uso de dinheiro em espécie. Custa 50 dólares de Hong Kong e, se não fizer questão do souvenir, devolva-o em qualquer estação: vai pra reciclagem e você recebe 43 dos 50 dólares de volta.
Completamente desconexa do seu país, super conectada entre si. Hong Kong herdou a mão inglesa, os ônibus de dois andares, o idioma dos britânicos e a tradição de excelentes coberturas em toda a cidade. Até para atravessar o rio existe mais de uma opção: barco ou trem subterrâneo. Mesmo sem nenhuma ponte, a baía entre Kowloon, bairro principal na parte peninsular, e a Ilha de Hong Kong, com seu paredão de mega edifícios, é linda de morrer. No entanto, o que melhor se pode fazer ali durante o dia, é esperar a noite chegar. Mesmo o nevoeiro escuro trazido pelas monções nesta época do ano são ofuscados pela iluminação – Hong Kong fica mais clara de noite que de dia. Pelo menos uma vez, deixe o trem de lado e faça a travessia lenta no bote da Star Ferry (que também aceita o Octopus Card, é claro) pra se sentir como um legítimo oriental – no lado de lá do globo, não é só o objetivo que tem valor, mas o caminho todo até atingí-lo.
Foi neste instante que, instintivamente, armei a câmera no pulso e não consegui largar pelo trajeto inteiro – os locais me olhavam com uma cara de quem pensa: esses ociedentais são tão exóticos… tiram fotos de tudo! Aí me toquei que precisaria pegar o barquinho de novo, mas dessa vez me auto-censurando quanto a qualquer vontade que houvesse de pegar a câmera de novo. Fato é que, quando se chega na Ilha de Hong Kong, nem parece que é o mesmo lugar que se avistava há cinco minutos antes. O toque mágico de China: seguindo pela Hollywood Road, por toda sua extensão, as ruas estreitas dos mercados noturnos a céu aberto cortam a avenida, lotada de néons. Mercado de verdade mesmo, não só aquelas tranqueiradas que a gente gosta de trazer de volta pra casa mas, também frutas, peixes e roupas. A vida social funciona melhor a noite num lugar onde a temperatura frequentemente ultrapassa 30 graus. E do lado das barracas onde os caras tiram peixe do aquário com a mão e jogam no meio da rua pra secar – não dá pra reclamar que não é fresco – estão as lojinhas que construíram a reputação internacional de Hong Kong, vendendo seus eletrônicos baratíssimos e réplicas perfeitas de grifes que jamais conseguirão combater esse tipo de pirataria, de dar inveja à 25 de março. Ainda em tempo, a China é a fornecedora oficial dos sacoleiros da Vinte e Cinco. Se há algo impossível de ser implantado aqui, são copyrights.
Independente de quanto tempo tiver pra dedicar à Hong Kong, só se preocupe com mapas após se perder por pelo menos um dia. É super compacta e os labirintos sempre te levam a algum lugar interessante nesta terra tipográfica. A verdade é que o oriente, por mais interessante que já possa parecer, sempre será surpreendente além das expectativas. Faz com que cidades completamente distintas das Américas e da Europa se pareçam e, nas vias elevadas, que aqui são construídas para pedestres, os milhões e milhões de hongkonguianos não deixem transparecer se são chineses ou não. Um tira teima tipo aquela sintonia fina que, mesmo sabendo que não dá par alcançar, a gente continua tentando.