Além de tudo, Curitiba é um exemplo

Uma vez recebi por email um mapa do mapa do Brasil, segundo a perspectiva de habitantes de vários estados. Essa aqui era a visão do paranaense.

O humor é bom. Tão irreverente quanto o regionalismo exagerado de diversas partes do Brasil. Brincadeiras a parte, se repararmos bem, esse desenvolvimento que enche o ego do paranaense faz sentido, mesmo. A população de Curitiba é um grande exemplo. O curitibano dá valor ao que é público. Medidas de sustentabilidade, como a coleta seletiva para reciclagem, junto à cooperação de uma população que sente orgulho de onde mora, resultaram numa metrópole de ruas limpas, praças bem conservadas e desperdício reduzido. Isso é respeito – eu limpo e você não suja. Independe de naturalidade ou localização. Não é a Europa, não. É a diferença entre apenas gostar da cidade onde se mora e ajudar a cuidar dela.

Uma caminhada pelo centro não poderia ser mais convidativa. O primeiro calçadão brasileiro – Rua XV de Novembro – ainda é um dos mais bonitos. Leva e traz gente de todo tipo, incluindo estrangeiros que fazem o walking tour gratuito que passa pelo Largo da Ordem e o Setor Histórico. Arborizada e vívida, Curitiba é bonita a ponto de trair nosso instinto de brasileiro preocupado com segurança. Não custa nada ter um insight de vez em quando pra verificar quem está por perto.

Modelo de transporte pelo pioneirismo na implantação do BRT – Bus Rapid Transit, sistema de ônibus em que circulam em corredores exclusivos e a passagem é cobrada ainda na estação – a cidade sofre muito menos com o trânsito que outras do mesmo tamanho, apesar do grande número de veículos particulares. Inspirou as reformas dos sistemas de mobilidade urbana de Santiago, Bogotá e Istanbul, entre outras. A falta de marcos turísticos de porte convincente também é de outra época: o olho do Museu Oscar Niemeyer é um símbolo nacional sob a assinatura inconfundível do arquiteto mais famoso do Brasil, enquanto a estufa do Jardim Botânico torna-o mais emblemático até que o do Rio.

A noite curitibana é bem representada no Batel – uma volta pela Praça Espanha, Avenida Vicente de Machado, Rua Cel Dulcídio e outras do agora chamado Batel Soho, desperta a vontade de experimentar um pouco de tudo e sem pressa. No japonês Ippon, um salmão ao molho de maracujá serve como tira gosto no rodízio e, escondido na simplicidade do Don Kebab, um kebab tão crocante e recheado quanto poderia ser.

Gente bonita, educada, receptiva. Qualidade de vida a qualquer hora do dia em uma cidade modelo que está longe de ser sem graça. A tal ostensividade de Curitiba é uma generalização que, como todas, caiu mal. Serve pra quem acredita que o carioca é folgado, o paulista estressado e o baiano é lerdo.

Upgrade no busão

Escolher um feriado ou fim de semana pra viajar de avião inclui na programação trechos de R$ 300,00 que, dificilmente, ultrapassariam R$100,00.

No último dia 8, fui pra Curitiba. Não lembrei que era feriado em São Paulo porque estava de férias. A genética de paulista é que me levou diretamente pra data com mais filas. Não pego estrada dirigindo, o preço das passagens aéreas as colocou fora de cogitação e aí restou o ônibus. Leva mais tempo pra chegar e, durante o trajeto, faz toda diferença conseguir dormir pra não chegar arrebentado no hotel e desperdiçar um dia. Ainda mais em um feriado, que é tão pouco tempo. Mas, caramba, a rodoviária de Curitiba é colada no centro e pertíssimo do Batel (é lá que muita coisa acontece) e as burocracias de rodoviária são quase nenhuma. Solução: Peguei ida e volta em leito, no horário noturno.

No total, custou menos que um só trecho aéreo, dormi que nem criança, não houve necessidade de gastar com táxi e, com a diferença, deu pra bancar um ótimo quatro estrelas – Slaviero Palace – com um baita café da manhã e essa vista aí de cima. Vale a pena ceder em algumas coisas pra conseguir outras, não?

Serra Verde Express, o trem de Curitiba

A Serra do Mar brasileira tem um trecho interessantíssimo no estado do Paraná: a porção de mata atlântica que fica entre Curitiba e o porto de Paranaguá que pode ser atravessada de trem. A ferrovia desce os quase 1000 metros de altitude entre as duas cidades por pontes e penhascos mostrando, além das belezas naturais, as marcas da dificuldade que foi conceber um projeto tão difícil há mais de 100 anos. Ainda há ruínas das empresas que tentaram se instalar nos entornos da linha e das moradias dos trabalhadores – muitos dos quais morreram durante a obra.

Sem a pretensão de ser meio de transporte, o Serra Verde Express é um dos maiores apelos turísticos de Curitiba. Passeio recomendado para o dia inteiro, o trajeto leva de três a quatro horas para chegar em Morretes, uma cidade bem simpática no meio do caminho até Paranaguá, para onde o trem só prossegue aos domingos. Um guia turístico acompanha cada vagão, contando histórias sobre a linha, o estado do Paraná e sua capital, sempre focando a sustentabilidade ecológica. Há quatro classes de vagão: econômica, turística, executiva e luxo – enquanto os vagões das três primeiras saem juntos, as 8:15 da manhã, a litorina de luxo sai as 9:15 e opera apenas aos fins de semana. Apesar da diferença significante de preços, lembre-se que a classe interfere diretamente no passeio pois, neste caso, a rota importa mais que o destino. Sorte também é indispensável – escolhi executiva e olha só o meu vagão:

Muitos túneis e represas depois, o trem para na estação de Morretes. Apesar de estar no meio do caminho entre o litoral e Curitiba, o clima de interior paranaense é muito mais evidente, daí. Como o trem opera em horário único, a chegada é um pouco conturbada. Já passou do meio dia e o pessoal, que acordou cedo, sai correndo para os restaurantes pra rangar o famoso barreado: uma mistura de farinha com carnes desfiadas pelo longo tempo que ficam em cozimento. Se o nome não é de abrir o apetite, o sabor é fantástico – ainda vem acompanhado de peixe e frutos do mar.

Quase todos os restaurantes têm a mesma receita e uma bela vista do centrinho da cidade, o que pode fazê-los lotar rapidamente. Vá no contra fluxo: visite primeiro as lojinhas, as feiras de artesanato e faça uma caminhada pelas bela pontes sobre o Rio Nhundiaquara para, depois, almoçar com calma. Na volta, a rodoviária de Morretes tem ônibus frequentes para Curitiba – por cerca de R$ 12,00 – que fazem o trajeto em pouco mais de uma hora.

Informações úteis:
– As passagens são compradas diretamente na Rodoferroviária de Curitiba e podem ser adquiridas com antecedência;
– Há agências de turismo na própria ferroviária que vendem pacotes de ida de trem, almoço em Morretes, esticada até Antonina e volta para Curitiba de van;
– Pra quem vai voltar de ônibus, é bom providenciar a passagem na rodoviária de Morretes logo que chegar. – Os lugares enchem rápido.
– Site oficial da linha: http://www.serraverdeexpress.com.br/

A Pátria de Chuteiras, em Curitiba

Camisa usada por Roberto Baggio quando perdeu o pênalti contra o Brasil, na final de 94
Futebol é o assunto de momento, amanhã a copa termina e, antes que isso aqui vire um blog sobre esportes, uma última dica boleira: em Curitiba, a exposição A Pátria de Chuteiras vai só até domingo, 18 de julho. A mostra, que reúne peças originais usadas por jogadores que marcaram época, está no Memorial de Curitiba, no Setor Histórico, e é gratuita. Uma bola usada na primeira Copa do Mundo – em 1930 -, a camisa de Beckenbauer na semifinal de 70, uniformes da União Soviética e da Alemanha Oriental – copas de 58 e 74, respectivamente – são algumas das mais encantadoras. O ápice fica por conta de duas peças que estão quase lado a lado: uma camisa 2 e uma 10. A 2, ainda com a inscrição 100% Jardim Irene, foi usada por Cafu pra levantar a taça em 2002; já a 10, não foi usada por Pelé e sequer é amarela – Roberto Baggio, última cobrança dos pênaltis que decidiram o tetra do Brasil em 94, nos EUA. Imperdível para qualquer fã.