Montevidéu, alegria no Prata
Às margens do histórico rio, a capital do Uruguai supera as dificuldades econômicas da última década e avança em uma retomada dos bons tempos, mais atraente, unida e confiante
Chema Llanos
Misturar-se entre os simpáticos moradores nos bares e cafeterias da cidade é apenas um dos tantos atrativos da capital uruguaiaEm prantos e cabisbaixo, Suarez caminha solitário em direção ao vestiário. Lágrimas deslizam em câmera lenta por sua face, enquanto os olhos revelam a mais absoluta incredulidade diante dos fatos. Acompanhado por um anônimo fiscal, ele esconde parcialmente o rosto por baixo da camiseta celeste enquanto segue seu caminho rumo ao sofrimento de quem foi expulso. O fim está próximo, mas ainda há tempo de o olhar ser atraído para o lance capital. Embora tênue, a chama da esperança permanece acesa. No breve instante em que o oponente corre para cobrar o pênalti, a respiração para, a bola bate na trave e vai para fora, levando junto o grunhido descontrolado de alegria de Suarez e de toda a população uruguaia.
O jogo de futebol entre Gana e Uruguai nas quartas de final da última Copa do Mundo, na África do Sul, não decidiu apenas uma vaga à semi-final do torneio. Em termos esportivos, muitos concordam que este foi o duelo mais emocionante de toda a competição. Mas do ponto de vista sociológico são vários os textos e análises que indicam a mudança ocasionada na nação uruguaia com a bela campanha da seleção nacional em gramados africanos.
E não é exagero, tampouco fanatismo. Basta desembarcar no moderno aeroporto de Carrasco, em Montevidéu, e sair às ruas. A crise econômica que abalou o Uruguai em 2002 tornou-se página virada, o país se uniu novamente, e o orgulho outrora perdido em algum instante anterior ao início da ditadura ressurgiu com força e determinação. O sentimento imperioso nas ruas da arborizada capital, às margens do rio da Prata, é o de um país no rumo certo.
É claro que os anos glamourosos da primeira metade do século 20 não voltaram e, provavelmente, jamais voltarão. O contexto do mundo é outro. Todavia, aquela áura de décadence avec élégance, presente até pouco tempo, começa a dar lugar a uma sólida retomada socioeconômica.
O turismo é fator importante nesse processo e os benefícios advindos dessa atividade começam a ser percebidos. “Em 2010, a receita uruguaia com o turismo foi quase maior do que a venda de carne, produto que sempre foi o principal referencial econômico”, conta o simpático Federico Celsi, presidente do Conglomerado de Turismo de Montevidéu e hoje à frente dos negócios da família, o bar e restaurante Facal, o mais antigo do centro da cidade, fundado em 1882.
Conhecido pela qualidade de seus chivitos – o clássico sanduíche do país –, o Facal tem recebido nos últimos cinco anos casais apaixonados de diversas partes do mundo atraídos por uma curiosa lenda trazida da Itália. A bela fonte que adorna a esquina do restaurante exibe centenas de cadeados pendurados, muitos deles com desenhos de coração e os nomes dos amantes, unidos eternamente. “Nos primeiros meses eu retirava os cadeados porque não entendia o que era. Mas eles voltavam a aparecer cada vez mais. Depois de quase um ano entendi que algo estava acontecendo e resolvi deixar”, lembra Federico Celsi, completamente enamorado por futebol e o clube do coração, o Nacional, do qual sonha ser um dia o presidente.
Las Bóvedas é símbolo de revitalização
O centro histórico de Montevidéu, ou a ciudad vieja, é a região que melhor reflete os novos tempos. Abandonada e degradada durante décadas, a área tem passado por um significativo processo de revitalização de seus prédios históricos e monumentos, iniciado em 1992 e ainda em andamento. Um dos casos mais emblemáticos talvez seja Las Bóvedas, um dos poucos trechos remanescentes da antiga muralha que cercava a cidade, demolida em 1830.
Em 1912, a velha fortificação desapareceu completamente e apenas duas partes foram mantidas. Uma delas – a que está em melhores condições e aberta à visitação – sobreviveu graças a um grupo de pessoas que a utilizava como ponto de encontro no momento em que seria derrubada. “Não existe uma pesquisa sobre o que havia exatamente em cada uma das bóvedas, embora se saiba que eram utilizadas como celas, para guardar mantimentos e armas”, explica Alejandra, da Amongarú Turismo y Comunidad, associação fundada em 2009 e responsável pela preservação do histórico local.
Embora declarada patrimônio da cidade em 1975 e fundada como museu em 1979, as péssimas condições dos prédios da ciudad vieja fizeram com que somente no ano 2000 Las Bóvedas fossem, enfim, abertas como um museu de fato. “Esse é um lugar para ser descoberto pelos próprios montevidianos, que não o conhecem. É a única construção que pode dar uma ideia de como era a cidadela”, reflete Alejandra.
Admirando a curiosa obra em formato de arco, erguida com teto e paredes de tijolos misturados com pedras de diferentes tamanhos e formatos, a jovem estudante de turismo Victoria Barletta, que atua na associação, concorda: “Quando abro as bóvedas sinto toda a história do local. Pode-se perceber tudo o que aconteceu aqui, é muito forte”.