Amanhece em Havana. A luz do sol banha a baía, refletindo espirais de estuque, flancos de concreto e roupas que estão penduradas em quase todas as varandas e janelas. Carros de marcas diversas – Lada, Fiat, Daewoo, Toyota e, de vez em quando, um americano clássico – passam pelo Malecón, o grande boulevard da orla, e seguem para a Prado, a primeira rua pavimentada da cidade, localizada na Velha Havana. Construída pelos espanhóis, a rua lembra o arborizado Paseo del Prado, em Madri, porém em miniatura: o trânsito segue ligeiro dos dois lados do largo passeio central sombreado por árvores e, em cada uma de suas extremidades, há leões de bronze retirados de canhões considerados inúteis depois que os espanhóis foram embora, em 1898 – mais de três séculos depois de fundarem Havana como uma fortaleza que logo cresceria além de seus muros.
Havana é sede de um governo socialista de 52 anos e epicentro comercial e cultural de Cuba. Com mais de 2 milhões de habitantes, é de longe a maior cidade do país, espalhando-se pelo litoral – das grandiosas mansões art déco de Miramar, no oeste, aos altos e cinzentos edifícios soviéticos de Alamar, no leste, e as favelas de Guanabacoa, no lado sul. É um lugar de variedades e contrastes, galos cantando de manhã, motores de carros antigos rugindo o dia inteiro e música à noite – de salsa e jazz ao inquieto reggaeton, passando pelo som clássico da orquestra de mulheres Camerata Romeu, há opções para todos os gostos. É uma cidade barulhenta, movimentada e quente o ano inteiro.
É também destino de estudiosos, artistas e empreendedores. Estes últimos são uma resposta às tentativas de Raúl Castro, irmão mais novo de Fidel e presidente de Cuba desde 2006, de abrir a economia do país a um capitalismo limitado. Pela primeira vez desde a revolução de 1959, essa oportunidade é dada aos cubanos, permitindo a proliferação de pequenas empresas privadas nativas, muitas das quais já existiam no mercado negro. Agora, há vendedores por toda a parte oferecendo de tudo: caseiras tamales, quitutes recheados com carne, queijo ou vegetais cozidos, peças de carros antigos, guarda-chuvas chineses baratos e bijuterias feitas ilegalmente de casco de tartaruga.
Outra mudança importante possibilitada por Raúl é que, pela primeira vez em mais de 50 anos, o governo permite que os cubanos comprem e vendam suas casas, embora apenas para outros cubanos. Esse é um momento de mudanças. A moradia é considerada o terceiro pilar da revolução, depois da saúde e da educação. Hoje, porém, é considerada pelo Centro de Estudos da Economia Cubana da Universidade de Havana um dos três maiores desafios do país, ao lado da alimentação e do transporte.
Fidel Castro, em A História me Absolverá, discurso de 1953, condenou o governo do então presidente Fulgêncio Batista pelas condições de habitação terríveis de grande parte da população e pela exploração que os proprietários de terra promoviam. Quando Fidel chegou ao poder, considerou a moradia um direito, e não uma comodidade, e designou para si próprio o papel de proprietário nacional. Construiu casas, distribuiu imóveis antigos (de mansões majestosas a barracos precários) e, de início, administrou propriedades residenciais. A ideia por trás de sua Lei da Reforma Urbana, de 1960, era de que toda família receberia uma casa para morar – alguns tiveram permissão para ter uma casa de veraneio – e um carro, o que criaria uma distribuição mais justa de recursos e uma sociedade menos desigual. Ninguém tinha permissão para comprar ou vender esses bens.
Embora tenha trazido muitas mudanças para Cuba, a revolução mal tocou na arquitetura de Havana: pouco se construiu na cidade nos últimos 52 anos e a maioria dos habaneros vive em prédios caindo aos pedaços e casas superlotadas, com duas, três e às vezes até quatro gerações morando juntas. As ruínas estão em toda parte, emoldurando arcadas mouras, portais neoclássicos requintados que levam a lugar nenhum e ocasionais cartazes da revolução que convidam a população a novas vitórias.
O sol da tarde atravessa as janelas redondas da casa de Lourdes Ponce, que recebem um grupo de beija-flores que a visita toda tarde. Localizada na parte velha de Vedado, o bairro residencial central, a residência é uma bem conservada construção dos anos 1930, com três quartos e pé-direito alto, na qual ela vive sozinha. Todas as outras pessoas de sua família estão exiladas ou mortas. Lourdes está cautelosamente otimista em relação à nova lei de Raúl Castro porque, se vender a casa, será o fim de tudo aquilo. Se ela decidir ir para a Espanha (o que não tem certeza que fará), o dinheiro poderá ajudá-la, talvez, até a comprar uma casa no novo país. Se pudesse, ela preferia vendê-la a um estrangeiro – em parte, porque acha que conseguiria um preço melhor, mas também por querer se certificar de que cuidariam bem do imóvel. “Mas isso é impossível, mesmo com a nova lei. Essa mudança demorou mais de 50 anos. Estarei morta quando fizerem outra”, diz.
Ena Lucía Portela, uma das escritoras mais conhecidas da ilha, descreve a decadência de seu prédio no romance que publicou em 2009, Cien Botellas en una Pared: “Moro no mesmo lugar desde que nasci… um pequeno palácio em Vedado que é uma joia arquitetônica, um monumento à extravagância, um prodígio de retalhos, remendos e costuras, um Frankenstein eclético segundo a moda de 1926 e uma ruína segundo a moda deste ano. Esse pequeno palácio… sofreu tantas transformações brutais durante quase um século que é realmente impressionante que ainda esteja em pé”.
O prédio de Ena Lucía, na Calle 23, no centro de Vedado, é um exemplo do quase-colapso gótico em que Havana se transformou a partir do desaparecimento da União Soviética, em 1991, que representou o fim dos subsídios à cidade. Com a escassez de material e o embargo dos Estados Unidos a pleno vapor, os prédios caindo aos pedaços – vistos por muitos estrangeiros como simbólicos e, ao mesmo tempo, nobres – são desafio constante para os habaneros.
“Ninguém quer morar num prédio que está desabando, por mais que seja fotogênico”, diz Oscar Luis Ramos, cuja família ergueu três apartamentos totalmente funcionais em cima da estreita casa de dois andares, na Velha Havana. Como ninguém sabia construir, eles fizeram “um a um, por tentativa e erro e com absoluta criatividade”, recorda Oscar, rindo.
A ideia de tentar obter uma autorização legal era inconcebível, por causa da burocracia e da corrupção no setor de construção do governo. “Teria sido impossível”, explica o cubano. “A coisa mais simples aqui, como comprar um lâmpada, pode demorar um dia inteiro!” Ainda assim, a família quer acreditar que as novas leis podem ser mais eficientes e está agora no processo de reformar sua obra – o que inclui legalizar o status dos três apartamentos, na esperança de vender o imóvel algum dia.
Como muitos outros habaneros estão envolvidos em atividades semelhantes, a capital ganhou vida com as reformas. Na Prado e no centro da Cidade Velha, agentes clandestinos do Estado conseguem acordos prematuros, enquanto na rua Reina, no centro de Havana, carpinteiros e artesãos oferecem seus serviços nas calçadas, proclamando em voz alta suas habilidades. O material de construção – antes controlado pelo governo – pode ser encontrado mais facilmente. Cada bairro tem sua própria trilha sonora ditada por martelos e furadeiras e novas camadas de tinta verde, azul e branca surgem nos prédios recém-recuperados.
À noite, no Malecón, não há pausa para o burburinho, e o mesmo fervor empreendedor instiga as muitas prostitutas jovens, acompanhadas por músicos de rua e pelas imperturbáveis travessuras de amantes que não têm para onde ir. Toda noite, às 9 horas, pontualmente, um tiro de canhão é disparado em El Morro, no velho forte colonial de San Carlos de la Cabaña, em frente ao porto de Havana – uma tradição que remonta ao século 17. Usando canhões de verdade, soldados recriam o tiro que avisava o toque de recolher, disparando sacos de juta. A explosão é alta o bastante para ser ouvida em todo o Malecón e na maior parte da histórica Havana Velha. Para a maioria dos habaneros, o barulho do canhão é um sinal de que a noite começou oficialmente. Os restaurantes caseiros conhecidos como paladares servem pratos especiais. Táxis piratas circundam o Cine Yara e atendem a jovens festeiros, levando-os a raves e festas nos subúrbios. A batida urbana do reggaeton ecoa dos carros e de apartamentos inacabados.
Dentro de 10 ou 15 anos, esses mesmos apartamentos poderão estar atraentes e irreconhecíveis, e a Havana belamente decadente de hoje talvez esteja apenas na memória.
HAVANA: COMO CHEGAR LÁ
Havana é uma capital caribenha animada e cheia de energia. Escolha um hotel familiar para se hospedar, bons lugares para ouvir música e restaurantes de alta gastronomia – tudo isso regado pelo famoso mojito
ESSENCIAIS
Como chegar
Copa e Lan têm voos para o Aeroporto José Martí, em Havana, a partir de US$ 2.500 e com paradas na Cidade do Panamá, Santiago ou Lima.
Circulando
Os coco táxis, encontrados ao longo do Malecón, são kitsch e divertidos (US$ 0,50 por quilômetro rodado). Já os táxis clássicos surrados da Calle 23 são mais baratos: aperte-se entre os clientes locais e salte quando chegar ao seu destino (cerca de US$ 3).
Leitura adicional
Os guias Cuba (R$ 45,90) e Havana City Guide (R$ 41,70), da Lonely Planet, trazem boas informações sobre a região. Leia também o livro Trilogia Suja de Havana, de Pedro Juan Gutiérrez (Companhia das Letras, R$ 49,90).
TRÊS MANEIRAS DE VIAJAR
Econômica
VER
Numa torre de 35 metros de altura, a Cámara Oscura oferece belas vistas de 360º. É uma experiência inesquecível! (US$ 2; Plaza Vieja)
DORMIR
Na hospedaria Eddy Gutierrez Bouza, os dois únicos quartos têm camas enormes para o preço sugestivo, e o dono logo vira amigo de seus hóspedes (diárias a partir de US$ 30; tel. 00 53 7 838-3088).
COMER
A sorveteria Coppelia, uma instituição cubana, serve gostosuras típicas de Havana. Entre em uma das grandes filas (faz parte da experiência), pegue seu sorvete e passe bons momentos observando as pessoas (a partir de US$ 0,16).
BEBER
Para um intervalo no meio da tarde de um dia quente, deguste a melhor cerveja de Havana na Taberna de la Muralla (produzida no local), na Plaza Vieja (caneca por US$ 1,60).
Preço médio
VER
No Museo del Ron, conheça a fabricação do rum e faça aulas de dança, oferecidas durante a semana (US$ 5 ).
DORMIR
O verde menta Hotel Park View, perto do Museo de la Revolución, é moderno e simpático, tem um restaurante pequeno e excelente e um bar que fica aberto 24 horas (diárias a partir de US$ 64; tel. 00 53 7 861-3293).
COMER
No Tien-Tan, localizado no Barrio Chino – o Chinatown cubano – a comida é surpreendentemente autêntica. Passe por uma arcada em formato de pagode chinês e siga a multidão (pratos a partir de US$ 10).
BEBER
No La Bodeguita del Medio, espere os turistas partirem, compre um mojito e aproveite o ambiente charmoso (mojito por US$ 3,20).
Luxo
VER
Os fãs da boa música vão ao La Zorra y el Cuervo, porão onde acontecem sessões de jazz. Roberto Fonseca, colaborador do Buena Vista Social Club, e a lenda do soul americano George Benson tocaram ali (US$ 11,20).
DORMIR
Localizado em uma área residencial humilde, perto da Plaza Vieja, o Hotel Raquel é uma obra-prima da art déco, com saguão suntuoso, pisos de mármore, solário e sala de ginástica (diárias a partir de US$ 112).
COMER
O La Torre, no 36º andar do Edifício Focsa, além de uma bonita vista da cidade, tem cardápio de inspiração francesa (pratos a partir de US$ 29).
BEBER
O Bar-Club Imágenes atrai um público “Velha Havana”, graças à música nueva trova – ou música folclórica cubana (drinques a partir de US$ 11,20).