MAIS VERDE POR TODA PARTE
Para uma metrópole comumente descrita como uma das mais belas do mundo, Paris estranhamente carece de áreas verdes. Comparada a outros grandes centros da Europa, sua oferta de parques públicos beira a escassez. Por isso, na década passada, os franceses passaram a se dedicar mais a um novo movimento conhecido como jardins partagés (jardins compartilhados). Inspirados na tradição parisiense do século 19, quando lotes de terra localizados próximos a fábricas eram cultivados coletivamente por operários, os entusiastas dos jardins partagés procuram terrenos imobiliários esquecidos e os transformam em pequenos oásis verdes.
Atualmente existem cerca de 70 jardins comunitários e o primeiro deles fica em Clignancourt, desprezada terra de ninguém na periferia. É Paris em sua forma mais bruta, na qual bulevares começam a conviver com blocos de edifícios suburbanos. Uma ferrovia desativada passa embaixo da rua principal e, se antes era um depósito de lixo, foi transformada em uma avenida coberta de folhagens e flores. As plantas invadiram os trilhos, os antigos sinais luminosos foram envolvidos por caules e folhas e cada canteiro tem um quadro escrito a giz mostrando quem é o responsável por seu cultivo – escolas, cafés e instituições religiosas.
Denis Loubaton é o presidente do Les Amis des Jardins du Ruisseau, o grupo responsável por essa metamorfose. “A área estava abandonada havia anos e, assim que começamos a modificá-la, foi se tornando um lugar importante para a comunidade local. Temos mais de 300 membros, que assumem uma responsabilidade coletiva”, comenta Denis. Em uma das extremidades da região, mulheres de meia-idade conversam e saboreiam um bolo. Na outra, uma turma de adolescentes joga cartas. No meio, verduras colhidas no local estão à venda.
Mas o que acontece no centro de Paris, região onde cada metro quadrado já foi ocupado? O Museu do Quai Branly, aberto em 2006 para exibir obras de arte da África, da Oceania, da Ásia e das Américas e localizado à sombra da Torre Eiffel, encontrou uma boa alternativa. A parede do prédio à margem do Sena foi transformada em um jardim vertical: do telhado ao chão está coberta de plantas. Projetado pelo botânico experimentalista Patrick Blanc e regado por um sistema de irrigação vertical, é uma solução surreal para o déficit de parques em Paris. Um fantástico lampejo de verde crescendo em direção ao céu.
ARTE PARA UM NOVO SÉCULO
Paris é uma metrópole que leva a arte bastante a sério, tanto quanto deveria uma capital que tem o Louvre e o Centro Pompidou entre suas importantes atrações culturais. Artistas iniciantes do mundo inteiro rumam para lá na esperança de aprender um pouco da magia do velho Matisse. Os bairros de Montmatre e Quartier Latin, que já abrigaram grandes nomes, ainda atraem os turistas, mas os caros aluguéis dessas regiões obrigaram os artistas a procurar outros pontos.
Mesmo os mais ferrenhos defensores da arte contemporânea dificilmente chamariam de bonitos os bairros de Belleville e Ménilmontant, que se estendem a leste do Canal St-Martin. Essa, porém, é a Paris viva: as ruas cheias de supermercados chineses, lojas de roupas africanas e cafés turcos estão tomadas por uma energia multicultural que transformou a área em lugar das artes. As ladeiras de Belleville são repletas de ateliês, oficinas e galerias e, em alguns casos, as próprias ruas foram transformadas em espaços para exposições. A Rue Dénoyez, por exemplo, é um pequeno beco que exibe impressionantes grafites em seus muros. Macacos imensos e super-heróis voadores cobrem as superfícies, e cada fenda na parede é preenchida com outras artes – cabeça de uma boneca, cacos de espelho, um Jesus de brinquedo, esculturas africanas. Esses muros são espaços nos quais as preocupações da comunidade estão projetadas – um dos painéis, por exemplo, mostra um retrato de Troy Davis, executado no ano passado na Geórgia, em um episódio controverso.
Todo ano, os artistas de Ménilmontant participam do festival Ateliers de Ménilmontant, durante o qual mais de 80 ateliês abrem as portas. Hervé Chastel preside o evento e diz que é fundamental para inserir arte na comunidade local. “Nosso modo de agir não é tradicional ou institucional. Queremos que a arte faça parte do dia a dia.” Os caminhos do festival levam a ateliês de escultores e pintores – espaços que muitas vezes também são as casas dos artistas, como a de Laurent Debraux. A sala da frente da casa de Laurent está tomada por esculturas cuja temática gira em torno da ideia de movimento: uma árvore morta que ele prendeu com fios suspensos, fazendo seus galhos voltarem a balançar e ranger; ou ímãs em rotação que atraem limalhas de ferro em torno de um jarro de vidro. “Essa região já foi dos artesãos e fabricantes de tecidos, pessoas que produziam peças com as mãos. Os artistas daqui dão continuidade a essa tradição”, lembra Laurent.
A expansão criativa de Paris continua no Le 104, novo espaço cultural situado no 19º arrondissement. A estrutura que parece um palácio de cristal e abrigou a casa funerária estatal da cidade, com pilhas de caixões, cedeu espaço para um bulevar no qual a luz do dia ilumina lojas, cafés, ateliês e exposições. Espreguiçadeiras espalhadas pelos corredores convidam os visitantes a relaxar e admirar obras como Bâtiment, de Leandro Erlich, fachada de uma casa em tamanho real estendida sobre o chão, com um espelho instalado em um ângulo que dá, àqueles que caminham por ali, a impressão de que estão subindo a parede. Estudantes sentam-se no chão, desenhando a cena em blocos de papel, da mesma forma que grupos fazem no Louvre – sinal de que esse espaço impressionante está ganhando importância na cena artística parisiense.
NA COZINHA DE CASA
As novas experiências gastronômicas mais excitantes na capital francesa acontecem em casas particulares. Essa tendência não é recente, mas ganhou qualidade. Os americanos Braden Perkins e Laura Adrian foram os pioneiros, quando, em 2007, abriram o Hidden Kitchen. Seus cardápios ficaram tão populares que, depois de quatro anos, a dupla deixou o projeto para investir no Verjus, restaurante situado no Marais. No rastro do Hidden Kitchen, porém, surgiram outras casas igualmente fantásticas, e nenhuma delas é mais atraente do que a Chez Nous Chez Vous, de Celinha Miranda e Gustavo Mattos, que funciona no apartamento impecavelmente moderno do casal, situado pertinho da Torre Eiffel.
Celinha e Gustavo mudaram-se do Brasil para Paris em 2005. No Brasil, ela era professora de inglês e ele, executivo de publicidade. Mas a paixão pela boa comida os levou a abandonar tudo e partir para a França. Depois de uma temporada na prestigiada escola de gastronomia Le Cordon Bleu, eles trabalharam em restaurantes estrelados no Michelin durante dois anos, antes de abrirem o restaurante em casa. Atualmente, os jantares sofisticados de Celinha e Gustavo atraem tanto os parisienses quanto os viajantes sul-americanos, que buscam uma fatia do luxo gourmet ao estilo brasileiro.
O jantar de hoje à noite é um programa brasileiro e, entre os convidados, há de homens de negócios aposentados a uma designer de moda. Vestidos com roupas brancas de chefs decoradas com a bandeira do Brasil, Celinha e Gustavo entram e saem da cozinha, apresentam cada prato e atuam habilmente como anfitriões. Logo a conversa flui como se todos fossem velhos amigos, e não os completos estranhos de meia hora antes.
Os pratos são espetaculares: peito de pato cozido lentamente durante 48 horas, foie gras sobre pão de mel, um bacalhau tão delicado que derrete na boca, l’ouef parfait (cozido a 65º para ganhar textura cremosa) – até a manteiga que acompanha o pão caseiro é servida com uma pitada do raro sal vulcânico. “Essa é a minha quinta visita”, diz Alessa Migani, estilista do Rio de Janeiro que está na cidade para acompanhar a semana de moda francesa. “Acho que nesta cidade não existe um restaurante com uma atmosfera ou uma comida comparável à que encontro aqui, e certamente não com as duas coisas!”
Celinha diz que é a liberdade proporcionada pelo ambiente de casa que distingue esses restaurantes privados. “Os restaurantes parisienses não aceitam ninguém depois das 22 horas, e podem ser um pouco tensos”, comenta. “Nossos convidados são pessoas que gostam de rir, beber e conversar durante o jantar. Propiciamos um lugar para as pessoas se sentirem realmente em casa, onde elas podem fazer exatamente isso.”
A FADA VERDE
A postura madura e moderada dos franceses em relação ao consumo de álcool é muitas vezes usada como argumento para criticar o hábito dos bebedores britânicos farristas de tomar porres homéricos. Antes, porém, de se deixar intimar demais pela sofisticação francesa, lembre-se: em 1915, o governo francês decidiu proibir a venda de absinto, a bebida destilada bastante forte. O motivo? Alguns entusiasmados bebiam de 10 a 12 copos da feé verte por dia, o que representava um problema de ordem pública.
“A proibição não funcionou de fato”, fala Luc-Santiago Rodriguez, dono da Vert d`Absinthe, loja dedicada exclusivamente à bebida verde que dribla a inibição. “O absinto continuou sendo produzido, mas foi rebatizado como ‘bebida destilada feita com extratos da planta absinto.’” Em abril de 2011, a proibição do absinto foi revogada pelo parlamento francês, e não era mais preciso vender a bebida usando-se subterfúgios semânticos.
A proibição contribuiu para valorizar o mito em torno do absinto – suas qualidades supostamente alucinógenas e a associação romântica a artistas e escritores, como Gauguin e Rimbaud. “Acho que não há nada inerentemente criativo no absinto, mas era uma bebida bastante popular quando a França vivia repleta de poetas e pintores. Por isso, está presente em obras ainda importantes hoje em dia”, lembra Luc-Santiago. Não que ele esteja reclamando da aura da bebida. “Jovens atraídos pelo ‘efeito de droga’ visitam-nos, assim como pessoas mais velhas que lembram de quando seus pais tomavam absinto e querem experimentá-lo.”
Há algo sedutoramente ritualístico no processo de beber absinto. O melhor lugar para compartilhá-lo é o La Fée Verte, que, como o nome sugere, é um bar especializado na bebida, pertinho da Bastilha. Os espelhos art nouveau e um estoque com 15 tipos de absinto evocam o fin de siècle em Paris. O ambiente é reforçado pela bica prateada, cheia de água e gelo e com quatro torneiras, levada às mesas quando solicitada. Uma colher de prata é colocada atravessada sobre um copo no qual há uma dose de Verte de Fourgerolles 72, uma das marcas de absinto mais pedidas no lugar. Um cubo de açúcar é posto na colher e algumas gotas de água do gelo proveniente da fonte são despejadas, dissolvendo o açúcar dentro do copo. Um cheiro forte de anis toma conta do ar enquanto o absinto verde fica turvo. Só então está pronto para o primeiro gole. O ritual deixa claro que é um drinque para ser saboreado. “Como um bom charuto, deve ser apreciado devagar. Comparadas ao absinto, outras bebidas são como fumar um cigarro às pressas do lado de fora de uma estação do metrô”, comenta Luc-Santiago.
JAZZ NA PERIFERIA
O coração musical de Paris não está situado à beira do Sena ou dos bulevares de Haussmann. No norte da cidade, dez minutos a pé de Porte de Clignancourt, há um movimentado viaduto. Não é o tipo de lugar que ilustra cartões-postais, mas a construção nada adorável guarda um local com tanto prestígio na história cultural de Paris quanto o Museu Rodin ou o Café de Fiore, o favorito de Sartre. Porque foi em um trailer embaixo desse viaduto que um jovem violonista chamado Django Reinhardt inventou o jazz manouche, ou gypsy jazz, o verdadeiro som de Paris – Django criou o estilo depois que um incêndio em seu trailer o deixou com sérias queimaduras na mão esquerda, da qual apenas dois dedos podiam ser usados para tocar o violão.
Imagine um filme em preto e branco passado na capital francesa nas décadas de 20 ou 30. Um jovem casal – ele de terno chique, ela de melindrosa – está dançando em passos rápidos, rodopiando no salão ao som de um violão, um violino e um contrabaixo. Os personagens estão se movendo um pouco rápido demais e a tela pisca e treme. A música que vem à mente é o jazz manouche – improvisos de um baixo suave acompanhado de um violão fora da marcação –, irresistível em sua nostalgia de uma cultura pré-Segunda Guerra Mundial repleta de glamour e suavidade.
O jazz manouche está rapidamente ganhando o status de som do século 21 em Paris. O La Chope des Puces, restaurante e casa musical dedicado ao legado de Django, está localizado perto do local onde ficava seu trailer e exibe as paredes cobertas com fotos do violonista e de outros grandes músicos que o acompanhavam. A gerente Sylvie Lacombe lembra que foi o aniversário de cem anos de Django, comemorado em 2010, que reacendeu sua fama. “Desde então, recebemos muitos músicos jovens querendo aprender a tocar o jazz manouche. Mas são necessários anos para dominá-lo, e expressá-lo com o coração. Nunca ninguém chegou perto de Django. Por isso, nenhum músico quer sua foto perto da dele. Por respeito.”
Não é surpresa alguma descobrir que o outro lugar onde pode-se ouvir o melhor jazz manouche fica na Gare du Nord, sempre lotada de turistas. Hoje à noite, a estrela do bar Le Bouquet du Nord é o quarteto Csangojazz, que desfila clássicos de Django, interrompendo a apresentação apenas para cantar Parabéns para Você para algum visitante. Alain Rolland é o principal violinista do grupo, toca na casa há 15 anos e diz que não se surpreende com o sucesso atual do jazz manouche. “Essa música é como o fogo”, reflete o músico. “A brasa está sempre muito vermelha, e às vezes o fogo começa a queimar de novo. Agora, reacendeu.” Alain fala que pessoas de idades variadas vão ouvir a sua banda. “Os mais velhos gostam porque se lembram das canções da juventude. E os jovens, porque, para eles, a música cigana representa liberdade e viagens.”
Boa parcela da juventude parisiense pegou o formato do jazz manouche e o combinou a batidas de hip-hop e electro. Agora, as noites de “electro-swing” estão se espalhando pela capital e levando a genialidade do forasteiro Django a novos rumos.
PARIS: PARA CHEGAR LÁ
Há muito tempo, a capital francesa é uma atração irresistível, com luzes brilhantes, clima romântico e comida sem igual. Mas a cidade continua a se renovar. Áreas antes abandonadas estão atraindo os viajantes. Dicas para desbravar a nova Paris
ESSENCIAIS
Como chegar
O preço das passagens aéreas para Paris varia bastante, mas é possível encontrar voos diretos da TAM a partir de US$ 1.500. A agência Marsans Brasil oferece pacote de seis dias com passagens, hospedagem e citytour a partir de US$ 1.567. A Françatur tem um roteiro de cinco dias com hospedagem e passeio pelo Sena (sem passagens) a partir de € 306 por pessoa. O pacote da Maktour de quatro noites com passagem, hospedagem em quarto duplo e seguro viagem custa a partir de US$ 1.850 por pessoa.
Circulando
O metrô é o jeito mais fácil de circular pela cidade (€ 12,50, 10 bilhetes).
Leitura adicional
Paris é Uma Festa (Bertrand Brasil, R$ 39), obra de Ernest Hemingway, é um guia literário sobre o cotidiano parisiense nos anos 1920 – época que também inspirou o filme de Woody Allen, Meia-Noite em Paris (2011).
TRÊS MANEIRAS DE VIAJAR
Com economia
COMER
No bairro de Belleville, recheado de inúmeros restaurantes chineses, o Wen Zhou Salon de Thé é um dos melhores. Das diversas receitas elaboradas, prove enguia com bolinhos recheados de carne de porco e gengibre ou pato defumado (pratos a partir de € 7,50; 24 Rue de Belleville).
DORMIR
O Hotel Port Royal, localizado ao sul do centro da cidade, é uma boa opção de hospedagem, com cômodos confortáveis e bem cuidados que valem o preço – o metrô fica a cinco minutos a pé. Alguns quartos têm chuveiros compartilhados (diárias a partir de € 62).
FAZER
Do metrô ao Parc de Belleville, a caminhada morro acima é puxada, mas a vista dos terraços vale o esforço. No alto do parque há um museu, e o café La Mer à Boire, em frente, é um ótimo lugar para passar horas apreciando a cidade (Rue Piat).
Com conforto
COMER
O Restaurant Mems, perto do Canal St-Martin, é um bistrô parisiense com clima descontraído e simpático e cardápio excelente. Experimente os peixes, o steak tartare e a torta de banana e caramelo, especialidade da casa (pratos a partir de € 12,50; 1 Rue Marseille)
DORMIR
Com 17 quartos decorados batizados com nomes sugestivos, como Ópio e Monalisa, o Le Fabe Hotel não economiza em atrações visuais. Fica em uma tranquila rua ao sul da Rive Gauche (diárias a partir de € 112).
FAZER
Não é segredo que o Pompidou abriga uma das melhores coleções de arte moderna da Europa. Há Picassos e Matisses em abundância, e a cena de arte contemporânea está exaustivamente à mostra (€ 11,20, a entrada).
Com luxo
COMER
O sofisticado bistrô La Table D`Eugène serve suculentas costeletas de porco, além de risoto com pato e tomates recheados com mussarela. As receitas são de alta qualidade, para os apreciadores da boa gastronomia (menu fixo a partir de € 34; 18 Rue Eugène Sue).
DORMIR
O Hotel Magenta, decorado com tons de violeta, é um refúgio da agitação da Gare du Nort. Os quartos são espaçosos e surpreendentemente silenciosos. É uma boa dica de hospedagem para quem vai curtir a região do Canal St-Martin e de Belleville (diárias a partir de € 275).
FAZER
Os vinhos do menu do Ô Chateau estão muito longe das versões de mesa comuns. A degustação oferecida no local leva a uma viagem por regiões que produzem as melhores bebidas da França (degustação a partir de € 31).