Atrasado, como sempre. Sou péssimo com datas. Nelson Mandela fez 93 anos dia 18 de julho e que ótima ocasião para falar bem de Johannesburgo de novo, mesmo na contra-mão. Não sei se me apego a cidade porque ela é um lugar extremamente normal, quando a África é um continente continente sempre associado a miséria, ou por causa de tudo que já se passou ali. Johannesburgo é dinâmica e transforma-se a todo tempo, mas ainda não chegou onde Mandela queria, pois sofre muito com a violência urbana e, especialmente, tensão racial.
Ainda assim, é por causa deste cara fantástico que, entre outras coisas, a cidade tem sua melhor atração: o Museu do Apartheid. Mandela sequer foi nascido Nelson – teve que ser batizado por um nome universal – em inglês – quando começou a frequentar a escola, já que, apesar de o Apartheid não ser oficializado naquele tempo, a segregação racial já era um aspecto forte da África do Sul. Curiosamente, o nome simpático ligou-se perfeitamente ao carisma do líder que mandou o Apartheid do Congresso para uma exibição. Este tornou-se, inclusive, o slogan da atração: Apartheid Museum – o Apartheid no lugar onde ele deve estar.
Instalado em uma área imensa, o complexo tem uma carona de presídio. Logo na entrada, quando se compra o bilhete, o sistema de ingressos decide se você é branco ou não-branco aleatoriamente. O seu ingresso definará por que porta você deve entrar. Essas eram definições simples de raças do Apartheid, que ainda tinha sub-divisões para os não-brancos: asiáticos, indianos e negros. Por todo o museu há placas originais de sinalização da cidade como apenas europeus, usadas em bancos de praças públicas ou de ônibus. E o mais impressionante é que o governo, mesmo na fase de implantação do Apartheid, nunca tentou sequer esconder a divisão. Ao contrário de regimes fascistas da Europa, que tentavam maquiar tudo pra que parecesse muito justo, os governantes do Apartheid aparecem em vídeos entoando coros racistas com o maior orgulho, dizendo até que, “se esses animais continuarem a se revoltar e prejudicar a ordem pública, serão nivelados ao chão com facilidade“.
Toda a linha do regime é explicada sala a sala. Primeiro numa ordem cronológica, descrevendo o ponto de vista do governo – interessantíssimo porque, geralmente, quando se fala de Apartheid, já se pula direto pra parte dos conflitos. Depois, o museu segue num curso próprio que te faz imergir não numa linha de tempo, mas numa espécie de depressão. Ao invés de valorizar a tragédia, a direção de arte impecável traz a tona a sensação de vazio. É como se, a cada passo, te tirassem algo. Grandes áreas sem nada, inclusive ao ar livre, são parte do trajeto. Em outro momento, uma sala em homenagem aos ativistas condenados ao enforcamento, não há fotos de cadáveres ou nada do tipo, mas uma forca vazia para cada um deles.
E como a história da luta contra o Apartheid e a de Mandela se confundem, o museu faz questão de misturá-las também. Há, sim, uma seção especial dedicada a vida do ex-presidente, mas retrata mais aspectos da vida pessoal dele. Os pontos principais de sua liderança frente ao movimento que propunha estão distribuídos em pontos estratégicos – meu preferido é um vídeo de 61 em que, quando já era conhecido e procurado pelo governo racista, Mandela aceitou conceder uma entrevista e, mesmo sendo provocado a todo tempo, com perguntas do tipo “você acredita que africanos podem desenvolver essa nação sem os europeus?” ou “há muitos africanos educados na África do Sul?” mantém a compostura, a linha de pensamento e ainda rebate dizendo que, certos direitos fundamentais tem que ser extensíveis a todos, independemente da educação.
Primeira entrevista de Mandela para a televisão, 1961 (sem legenda) – acervo do Museu do Apartheid
Uma celabração ao, talvez, maior gênio vivo da humanidade.
Apartheid Museum
Johannesburg – África do Sul
Terça a Domingo, 10 as 17
50 Rands (+ou- R$ 12,00)
Não aconselhável para menores de 11 anos, segundo a própria curadoria
http://www.apartheidmuseum.org/