O imperador na terra dos faraós
Encontrado por acaso, diário da segunda viagem de d. Pedro II ao Egito revela as reflexões íntimas do governante sobre os mistérios do país, faz referência a problemas comuns ao Brasil e mostra a saudade do monarca pela condessa de Barral
Na gaveta de uma escrivaninha vendida no Leilão Geral de móveis da Família Imperial, em 1890, foi encontrada uma pequena caderneta, curiosamente intitulada “Viagem ao Alto Nilo”. Em meio à euforia republicana – regime que chegara ao poder no ano anterior -, o diário de bordo da segunda viagem de d. Pedro II ao Egito teria se perdido para sempre, não fosse a sensibilidade histórica do desconhecido comprador do móvel leiloado. A salvo do desmanche promovido pelos novos donos do poder, o manuscrito foi parar nas mãos do historiador Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958), que o traduziu e publicou, preservando do esquecimento as ricas impressões do imperador sobre um país que ele julgava muito próximo do Brasil, quer pelo clima, quer pelos problemas socioculturais e econômicos.
Percorrer as páginas do diário é como ser cúmplice das anotações silenciosas do imperador. É como se tornar seu confidente, compartilhando as impressões positivas e negativas que a viagem à terra dos faraós nele despertara. A narrativa se inicia em 11 de dezembro de 1876, com a descrição da partida do Porto de Giza, no Baixo Egito, e a passagem pelas pirâmides de Meydum, que começaram a ser construídas no reinado de Huni (2599-2575 a.C.) e somente foram concluídas por Senefru (2575-2551 a.C). O tom do texto de d. Pedro II revela um “rei filósofo”, imagem que alguns historiadores atribuem a ele. A cada nova informação obtida, ele pondera e reflete, buscando lições de vida. “Encanta-me esta viagem; uma coisa, porém, entristece-me; penso nos amigos que estão privados destes gozos. Não posso repetir com o filho do faraó Aen: ‘Conserva-te alegre, durante toda a existência. Acaso houve quem saísse do túmulo?'” (A grafia dos trechos do diário foi atualizada.)
D. Pedro II mantinha o hábito de estudar à noite as anotações feitas durante o dia, confessando-se impressionado com os progressos obtidos na interpretação dos hieróglifos. Ele mesmo era um apaixonado pela arte de decifrar essas mensagens. Prova disso era a dedicação com que estudava, ao recolher-se, a gramática hieroglífica do alemão Émile Brugsch (1842-1930), um dos organizadores do Museu do Cairo. Por sua dedicação ao estudo do tema, o monarca se sentia apto, inclusive, para comparar os avanços dos amigos egiptólogos nessa área. Dizia que Brugsch era mais sábio do que o francês Augusto Mariette (1821-1881), fundador do Serviço de Antigüidades Egípcias, e seu amigo.