A História de Quem Descobriu o Soro Antiofídico
No final do século XIX, o bacteriologista Louis Pasteur mandou para a Indochina, atual Vietnã, o médico Albert Calmette (1863-1933) para construir o primeiro Instituto Pasteur fora da França. No Vietnã, Calmette sensibilizou-se com o desespero da população que sofria com as picadas da cobra naja. Na época, devido a uma grande enchente que levou tanto as pessoas quanto as cobras a procurarem lugares secos, o número de picadas de cobra aumentou muito. Calmette resolveu aplicar os conhecimentos que acabavam de ser descobertos — sobre o que hoje conhecemos como anticorpos — para lidar com o veneno de cobra. Começou a injetar em coelhos doses mínimas de veneno da naja, já desintoxicado por processo químico ou por aquecimento. Observou que os coelhos ficavam resistentes a picadas da cobra naja e que também o soro do coelho imunizado podia proteger outros coelhos não imunizados. Percebendo o valor desta descoberta para o povo do Vietnã, Calmette produziu grandes quantidades de soro usando cavalos. Em 1896, o primeiro paciente foi tratado com sucesso.
No Brasil, o médico Vital Brazil (1865-1950) também começou a realizar experiências com cobras peçonhentas, aprofundando as pesquisas de Calmette. Vital descobriu que o soro de Calmette só funcionava para picadas da naja e era inútil para o veneno da cascavel e da jararaca, as duas espécies que mais causavam mortes no país. Em 1902, Vital produziu o soro antiofídico, um soro polivalente, que servia tanto para jararacas como para cascavéis. O uso dos soros produzidos por Vital Brazil chegou a reduzir a taxa de mortalidade na zona rural do Brasil em 50 por cento. Seu trabalho também foi reconhecido no exterior, e o Instituto Butantã, em São Paulo, dirigido por ele durante 20 anos, tornou-se referência mundial no combate às mortes por envenenamento.
Em 1916, um incidente comprovaria a eficiência do soro antiofídico nos Estados Unidos. Em uma conferência sobre medicina naquele país, Vital Brazil mostrou os trabalhos do Instituto. Mas os americanos consideravam que o risco de picadas de cobras entre seus trabalhadores rurais era pequeno, já que lá só existiam poucas espécies de cobras e todos trabalhavam calçados. Poucos minutos antes de partir para o Brasil, no entanto, o dr. Vital Brazil foi levado às pressas para tratar de um funcionário do zoológico de Bronx que estava morrendo porque havia sido picado por uma cobra. Vital aplicou algumas ampolas de soro que havia trazido do Brasil e, em doze horas, o homem já estava fora de perigo. O fato repercutiu no mundo, virando manchete do New York Times.
Ainda hoje, este é o tratamento mais eficaz para a picada da cobra. O processo de produção do soro começa com a extração manual do veneno da cobra, feita por um técnico. Após a extração, o veneno é liofilizado (a água é totalmente removida) e mantido sob refrigeração. Antes de ser injetado no cavalo, o veneno recebe uma solução fisiológica e é diluído para ficar menos potente. O cavalo recebe várias injeções desta solução em intervalos de dias, sendo que a cada aplicação, a diluição vai diminuindo, ou seja, o veneno aplicado fica gradativamente mais potente. Em cerca de 6 semanas, o cavalo já produziu grande quantidade de anticorpos e retira-se de 6 a 8 litros de seu sangue. Num processo de centrifugação, os anticorpos são separados, e obtém-se o soro antiofídico.